No terceiro dia fizemos o mais radical e divertido programa. Fomos conhecer o bosque e seus lagos num passeio numa Land Rover 4×4. O nosso guia Wagner Rivero não tinha juízo algum, mas tinha bom humor e contagiou o grupo. Fez o carro ficar em 90 graus e eu quis matá-lo. Como não se pode mexer na natureza, uma árvore caiu e ele teve que atravessar com o carro inclinado. Ele me torturou até o final do passeio. O tempo todo me chamava pelo nome e me zoava. Só não o estrangulei porque é uma estrela que brilha, soube integrar a turma – tinham dois casais portenhos simpaticíssimos – e nos passou muita segurança.
Como o meu celular tinha uma capa da bandeira da Inglaterra, o guia virou pra mim e perguntou: “Você é inglesa?”. “Claro que não”, respondi. “Ainda bem, pois, se fosse, a jogaria no lago agora mesmo”, concluiu. Eles odeiam os ingleses e os chilenos.
Nossa primeira parada foi na Tierra Mayor onde, no inverno, realizam passeios em trenós puxados por belos cães. O objetivo era tomar um chocolate quente porque tava frio pra caramba (4 graus, aproximadamente), embora fosse o pico do verão. Prometi voltar lá no inverno porque quero fazer esse passeio.
No caminho, vimos o Serro Castor, a estação de esqui que só funciona no inverno, claro. 90% do público são brasileiros. O investimento acontece porque, no inverno, há uma queda de 60% de turista em Ushuaia. Acredito que as tempestades típicas da época e a falta e tradição como local de estação de esqui acabam afastando o turista.
Voltando para a estrada, seguimos pela Rota 3, que liga “o fim do mundo” a Buenos Aires. Paradinha no mirante Paso Garibaldi para contemplar essa vista incrível, unindo terra e lagos.
Chegamos, finalmente, no Lago Escondido. O assistente do Walter – que peço mil desculpas por ter me esquecido de seu nome – se separa da gente. Ele pega um barquinho e segue com a nossa comida. Nós entramos no bosque. Foi aí que a aventura começou. Tudo improvisado e estrada de nada. A vegetação destruída por um incêndio que ocorreu há décadas e pelos castores que não param de se reproduzir e derrubar árvores. A vista é desoladora. O terceiro motivo do desastre é o vento que não dá trégua. A vegetação frágil não aguenta seus “predadores”. Em alguns momentos, o carro segue o percurso beirando o lago. STOP. Hora de seguir o percurso andando. A sensação é ruim, a terra fofa nos instabiliza. Parece que vamos afundar. Sob folhas, galhos e troncos há gelo. Espalhado por toda a vegetação, um cogumelo que custa o olho da cara e não tem gosto de coisa alguma.

Construindo uma estrada. Nem mesmo a Land Rover conseguiu atravessar. Enquanto Walter trabalha, a gente fotografa.
Chegamos à cabana. O cheiro de comida é inebriante. Senti-me salva e recompensada. Pensei em usar o banheiro improvisado, mas ao ver que era só um buraco, contive-me. A comida – a minha era vegetariana – era muito saborosa, farta, acompanhada de suco e vinho. Ao final, um cafezinho com um doce.
Voltamos no barquinho para contemplarmos o lago, embora o frio, o forte vento e a chuva fina tenham nos feito manter a cabeça abaixada.
A volta foi cheia de papo bom, mas quando perguntei sobre as Malvinas, o tom da conversa mudou e veio um turbilhão de ressentimentos e orgulho ferido. Eles se engasgam, pausam e lamentam. Para eles, a luta não acabou. Ao final, aquele abraço de um convívio bacana e inesquecível.